Ao invés de escrever sobre algum grande vencedor do Oscar 2012 (Academy Awards 2012), decidi reescrever esse post esquecido nos primórdios desse blog, dedicado a um dos indicados dessa anual corrida premiada. Esquecido pelo júri naquela premiação, mas que tem um lugar prestigiado no coração de muitos espectadores. Os grandes prêmios da cerimônia de 2012 foram previsivelmente divididos entre os filmes "O Artista" e "A Invenção de Hugo Cabret", aos quais não tive oportunidade de vê-los na telona na época, mas que como no caso do segundo, o conferi posteriormente na telinha. Ambos detinham características nostálgicas de um cinema francês que nunca teve muito a ver comigo, ao qual vi poucas obras as quais serviram de referência e inspiração para seus realizadores. Cinema mudo, por exemplo, nunca me cativou, e seria uma hipocrisia dizer o contrário. Gosto sim do diálogo, das frases de efeito marcante, das reviravoltas que uma boa discussão fervorosa pode causar na película. Gosto de relembrar no dia posterior a uma exibição o que fulano disse para ciclano. Necessito disso tanto quanto gosto. Por isso acho que Martin Scorsese, com o filme “A Invenção de Hugo Cabret” já havia ganhado meu humilde voto antes mesmo de vê-lo. Mas talvez ainda me surpreenda com o premiado filme "O Artista" (2011), de Michel Hazanavicius, ao qual ainda não tive a oportunidade de assistir, ou evito por puro preconceito.
Nessa peneira da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas - que não passa muita variedade - facilita as apostas e muitas vezes as deixam um pouco óbvias demais para os cinéfilos, onde é raro, muito raro algum filme me espantar. Tem muita coisa boa rodando nas salas de cinema e que não obtém um justo reconhecimento pelos criteriosos membros da Academia. E uma indicação sempre pode alavancar um projeto promissor que passou despercebido pelo grande público. Por essa razão, voltei minha atenção mais a um dos competidores do que aos premiadíssimos vencedores que dispensam mais aplausos pós-cerimônia. E minha postagem dedicatória não fica propriamente restrita ao filme em questão, mas sim ao seu realizador, que faz parte de um seleto grupo de diretores excêntricos como David Linch (Cidade dos Sonhos, 2001), Spike Jonze (Eu Quero Ser John Malkovich, 1999) e Lars Von Trier (Festa de Família, 1998), que demonstram muitas vezes dirigirem filmes para si próprios, de tão controversos que são seus resultados. Mais do que entender o filme propriamente, deve-se ter uma ligeira compreensão sobre a personalidade de seus realizadores. Terrence Malick não é diferente.
O filme "A Árvore da Vida" (The Tree of Life, 2011), estrelado por Brad Pitt, Sean Pean e Jessica Chastain, é um trabalho do diretor/roteirista Terrence Malick, que documenta a relação entre pai e filho em uma simples família americana, ao mesmo tempo em que paralelamente exibi um ensaio sobre a vida com uma abordagem visual sofisticada da criação do mundo até o fim dos tempos, de forma religiosa e cientifica, sempre enfatizando a profundidade do tema familiar com uma edição de imagens correlacionadas com a origem da vida. Isso em síntese. "A Árvore da Vida" tem a pretensão de se apresentar segura de si, como uma obra cinematográfica ou como material que gere reflexão. Textualiza a explosão do Big Bang, a transição do tempo e a evolução do mundo a qual conhecemos.
Do surgimento do mundo a história nos leva ao amago da família O´Brien. Tudo apresentado através de lembranças de Jack (Sean Pean): os esforços do Sr. O´Brien (Brad Pitt) na construção do sonho americano, de sua esposa (Jessica Chaistain) preservando os valores da família, a pregação da espiritualidade dominical, a importância de um trabalho honesto, a relação familiar entre pai e filhos. Malick transporta o espectador para a década de 50 com seu filme, através de uma perfeita e harmoniosa reconstrução da ambientação na qual a trama se passa, enriquecida pelas nuances dos equívocos que acompanha evidentemente, esse tal “sonho americano”. E nesse enredo denso sobre a queda do delicado véu que cobre essa sociedade puritana, estão preciosos atores que dão a devida densidade para os personagens elaborados por Malick, e que retratam com perfeição a sua construção do mundo. Brad Pitt é a encarnação de um severo pai de família, perfeitamente caracterizado dramaticamente, e sobrecarregado de expectativas. Tudo desencadeia ações e reações, por vezes desagradáveis para o contexto familiar. Enquanto Sean Penn procura a redenção. O sofrimento expresso no passado, recapitulado evento após evento, talvez seja uma forma de encontrar a solução que o tempo não trás por conta própria. Ambos trazem a tona toda dramaticidade que uma narrativa contemplativa da direção necessita para intensificar onde imagens repletas de simbologias falam tanto quanto imensos discursos shakespearianos.
O filme foi também indicado ao Oscar de melhor filme, diretor e fotografia, mas não se consagrou em nenhuma categoria. Particularmente por razões óbvias. O filme é interessante de uma forma singular, bem característica da autoria de Malick, porém desnecessariamente longo e excessivamente divagante. E bota divagação nisso. Sequências intermináveis de imagens e mais imagens. Por mais que bem feito e criativamente editado, torna-se cansativo para a maioria dos espectadores, justamente por sua maior qualidade: o tempo. Malick não tem pressa em apresentar seu roteiro, como o mundo não teve em gerar a vida. É preciso compreender que espiritualidade e ciência se sobrepõem para compor seu desacelerado enredo. Foram acontecimentos atrás de acontecimentos, que geraram fenômenos que ultrapassavam milhares de anos, até a próxima etapa. Malick seguiu a cartilha de maneira religiosa. E sua infinita inserção acontecimentos pode muito bem passar despercebida por uma gama de espectadores.
O visual está perfeitamente montado com imagens deslumbrantes, que vão do excepcional contraste de névoas e luzes do espaço, ao subúrbio estadunidense dos anos 50, cheio de cores enriquecidas pela direção de fotografia Emmanuel Lubezki. A beleza nostálgica do passado perfeitamente reproduzida, em cores, enquanto afronta em contraste com o contemporâneo, retratado em cores entristecidas e acinzentadas. A visão do autor para o futuro, sutilmente expressa nas cores.
O filme “Além da Linha Vermelha” (The Thin Red Line, 1998), outro trabalho de Malick, talvez tenha sido um de seus trabalhos mais comerciais já realizados pelo cineasta. Algo no mínimo curioso, em vista que se trata de um drama de guerra ambientado em plena Segunda Guerra Mundial. Esse concebido depois de anos afastado das câmeras, retornou com projeto monumental e complexo, de difícil execução devido ao extenso roteiro, que não agradou muito por seu ritmo mais contido e lento para o gênero. O filme também havia sido indicado ao Oscar de melhor filme, com poucas chances sobre o vencedor da categoria. Porém havia sido realizado de uma maneira mais linear e sóbria do que “A Árvore da Vida”, o aumentava suas chances diante da concorrência. Tinha todos os devaneios existências característicos do autor, ritmo lento e contemplativo, que misturava fé e existencialismo, com um elenco estelar e uma proposta interessante de reflexão espirituosa sobre os dramas dos combatentes nos campos de batalha. É um dos meus filmes preferidos no gênero no qual se encaixa, isso muito pela escolha da belíssima trilha sonora.
Apesar de Terrence Malick ter amargurado uma derrota pela conquista do Oscar 2012 com seu “A Árvore da Vida”, ele tinha uma virtude em comum com o vencedor: ele tem uma visão nada convencional do cinema a qual estamos acostumados a ver diariamente e não teme o risco que essa afronta pode causar. Um dos méritos da fita de Michel Hazanavicius é justamente esse ponto: não se importar com os riscos que acompanham seu projeto. Mas minha salva de palmas fica reservada mesmo ao cineasta Terrence Malick, que tem evoluído por sua persistência por realizar projetos inclinados em gerar reflexão através de beleza e autenticidade como o vencedor desta premiação.
Nota: 8/10
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