O senhor Oscar (Denis Lavant) em seu trabalho, viaja pelas ruas de Paris no interior de uma luxuosa limusine ao longo do dia interpretando diferentes papéis sob o comando de alguém desconhecido. Tendo unicamente a ajuda de sua motorista, Celine (Edith Scob) para concluir suas tarefas cênicas, Oscar transpõe cada personagem ao qual foi incumbido com alma e coração . Seu trabalho consiste em materializar diferentes personagens com profundidade e realismo: um assassino, uma pedinte, uma criatura monstruosa, um preocupado pai de família, um ancião em seu leito de morte... e outros mais em um único dia. Entre um personagem e outro, acompanhamos a metamorfose de construção dos personagens que atravessam os limites do realismo e culminam num célebre repertório de figuras, ora comuns, ora exóticas, mas todas perfeitamente transpostas. “Holy Motors” (Holy Motors, 2012) o mais recente filme de Leos Carax (Tokyo!) é uma viagem desprendida de um destino certo. Repleto de homenagens bucólicas e sutis críticas ao cinema moderno, Carax surpreende o espectador com um espetáculo narrativo apresentado através de uma estética diferenciada.
Com semelhanças narrativas de longas como “Cidade dos Sonhos” (2001), de David Lynch, ou com “Cosmópolis” (2012), de David Cronenberg, o cineasta francês Leos Carax, também responsável pelo roteiro de “Holy Motors” - e que não filma nenhum longa-metragem desde “Pola X (1999)” - cria uma atmosfera única que transpassa a Paris que conhecemos. Dos esgotos aos telhados podemos apreciar a beleza estética dada por Carax com sua câmera à Cidade Luz, e acentuada pela interpretação brilhante de Denis Lavant. Apesar do pouco, ou de nenhum convencionalismo dado ao enredo, seus desempenhos de interpretação são fabulosos se vistos tanto isoladamente quanto no conjunto. Entretanto acompanhá-los de forma a conectá-los em um plano mais amplo demonstra-se quase impossível. Cada personagem interpretado pelo ator funciona de maneira autônoma no roteiro de Carax, mas com sutis nuances que fazem sentido num contexto crítico geral. Provido de poucos diálogos, em certa passagem faz homenagem aos musicais. Toda trama flerta com vários gêneros diferentes em etapas separadas sem adotá-los a longo prazo – drama, musical, comédia, policial. Essa característica é um dos distanciamentos adotados por Carax do convencional para contar sua história cheia de surpresas. Como em “Cosmópolis”, aqui a força motor do carro tem o seu papel também. A ausência de um elenco variado incumbe Lavant da tarefa de dar vida a vários personagens, aliados a constante presença da limusine – e sua chofer. No fim vemos o quanto esse luxuoso carro tem seu papel definido dentro da trama de Carax, e no variado leque de mensagens ocultas por minuto que muitas vezes podem passar despercebidas pelo espectador. As lápides do cemitério com dizeres incomuns no lugar dos nomes das pessoas ali enterradas são detalhes que podem passar batidos de tão rápido que essa passagem se apresenta. Tecnicamente bem elaborado, sua fotografia impressiona pelos contornos sombrios da cidade margeados com o horizonte delineado pelas luzes. Mas sua elaboração mais significativa consiste na trilha sonora, que dá um grande espetáculo de musicalidade no qual o mais belo vem direto das mãos de Lavant.
Se o estilo narrativo de Carax pode causar certa estranheza no grande público devido à estética pouco convencional adotada por ele, apesar do brilhantismo que resida na mesma, é certo afirmar que “Holy Motors” não se trata de filme acessível. Sua genialidade se confronta diretamente com sua difícil digestão. Trata-se uma opção diferenciada ao cinema mainstream, a fuga inusitada do lugar comum e conhecido, que procura resgatar a essência da sétima arte ao criticar a condição atual da indústria e o crescimento da artificialidade que não para de se difundir em profusão. Carax valoriza ao seu modo o universo de sensações e sentimentos humanos que reinavam absolutos nos filmes, e que deveriam ser o grande foco das produções, mas que hoje em dia, foi esquecido, tanto pela deficiente indústria inescrupulosa, como lamentavelmente pelo público que muitas vezes não clama pelo que tem valor nessa singela expressão de arte. Essa produção merece ser revisitada quantas vezes possível.
Nota: 8,5/10
Nota: 8,5/10
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