terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Crítica: Django Livre | Um Filme de Quentin Tarantino (2012)



Todo lançamento de um filme do cineasta Quentin Tarantino é uma boa razão para celebrar. E falar de seus filmes sem mencionar o seu nome é quase impossível. Querendo ou não, a ciência do cineasta em compor seus trabalhos eventualmente é tão fascinante quanto o próprio resultado. Limitando os meus comentários aos mais recentes trabalhos do cineasta, dentre eles o longa “À Prova de Morte”, que foi esmiuçado friamente pela crítica, mesma consciente das motivações do cineasta para sua realização, em “Bastardos Inglórios”, Tarantino deu sinais de seu amadurecimento como cineasta mainstream. Se no passado seus filmes eram apenas rotulados como violentas estilizações de histórias magistralmente conduzidas, fruto de seus respectivos roteiros, sua criativa e imaginária vingança histórica de judeus na Segunda Guerra Mundial, liderada por Aldo Raine (Brad Pitt), demonstrou o quanto Tarantino pode ser brilhante sem abandonar suas características na realidade. “Bastardos Inglórios” alia a qualidade de seus roteiros, sempre esbanjando esmero e diálogos impressionantes, com um foco mais sóbrio e delineado. Além das motivações dilacerantes de seus personagens no decorrer da trama, há nobres ideais a serem alcançados no contexto da ação. Acima de tudo, contado de forma que o cineasta não precise abrir mão das qualidades narrativas que o consagraram como ícone da cultura pop. Basta vermos alguns minutos de uma obra de sua autoria, para constatar que se trata de um filme de Quentin Tarantino.

Em “Django Livre” (Django Unchained, 2012), o cineasta une de certo modo, o útil ao agradável – uma história com motivações ideológicas, contada com estilo e exuberância. Através desse faroeste divertido, em função dos diálogos marcantes que permeiam toda a produção, um elenco extremamente competente e uma história repleta de homenagens delirantes, Tarantino usa uma postura crítica a escravidão – tema sempre atual, apesar de pouco destaque crítico no gênero – como pano de fundo para sua obra mais bem realizada, que inclusive está sendo indicado a 5 Oscar’s – incluindo Melhor Filme e Roteiro Original – e concorre com vários gigantes dessa cerimônia. A história se passa em 1858, antes da Guerra Civil Americana, onde Django (Jamie Foxx), um escravo que é comprado por King Schultz (Christopher Waltz), um esperto caçador de recompensas alemão, que precisa da ajuda de Django para capturar os irmãos Brittle – três criminosos que tem a cabeça a prêmio. Somente Django pode reconhecê-los, gerando o seguinte trato: Django o ajuda na captura dos foragidos da lei, vivos ou mortos, em troca de sua liberdade. Após uma missão bem sucedida, porém, ambos permanecem juntos numa inusitada parceria. Após um tempo trabalhando juntos, Schultz decidi ajudar o amigo e atravessam todo Texas e o Mississipi em busca da esposa de Django, Broomhilda (Kerry Washington), uma escrava que está em poder do cruel Calvin Candie (Leonardo DiCaprio). Dono de uma enorme fazenda chamada "Candy Land", a mulher é deixada aos cuidados do preconceituoso escravo Stephen (Samuel L. Jackson), onde a dupla terá nesse perturbador empregado o seu maior obstáculo para sair da fazenda com Broomhilda são e salvos. 

Apesar dos famosos filmes de faroeste de Sergio Leone, as referências de Tarantino para compor seu “Django” se restringem mais aos filmes de Sergio Corbucci, e do Django estrelado por Franco Nero na década de 60. Sem deixar de lado os delírios tarantinescos mais do que esperados pelo espectador, como o culto ao movimento Blaxploitation, “Django” consiste entre muitos outros elementos, na garantida violência estilizada com ceros exageros, ou em diálogos ágeis proferidos por um elenco de primeira. 

Se Jamie Foxx tem o peso da responsabilidade de interpretar o personagem principal, a alavanca na qual se ergue toda trama, Christopher Waltz deixa claro que a primeira metade da produção é inegavelmente dele no momento em que somos apresentados a sua persona no início do filme. A forma cômica com que o ator profere suas falas é de um brilhantismo único – é a sua transposição mais carismática até então. Se em “Bastardos Inglórios”, Waltz no papel de um vilão dissimulado ele já inspirava carisma por parte do espectador, agora como um elemento heroico da história ele esbanja simpatia. Enquanto na segunda parte, a oportunidade de Jamie Foxx de equilibrar a balança, Leonardo DiCaprio rouba a cena entregando uma performance intrigante. Seja pela sua materialização de um vilão naturalmente cruel, desprovido de questionamentos morais, ou seja, pela relação intrigante que mantem com seu empregado Stephen, que esboça certo poder de influência sobre sua figura. Stephen é tão racista quanto seu próprio patrão, senão mais ainda. O que o torna uma peça fundamental no desfecho da trama e na jornada de vingança do protagonista. O que não quer dizer que Foxx esteja mal em sua interpretação. Somente não tem o mesmo rendimento que os demais personagens apesar de demostrar conforto em sua interpretação – sua interpretação é mais gestual, física e limitada as suas atitudes do que em diálogos exibicionistas. Os melhores diálogos estão sem dúvida com Christopher Waltz, o personagem mais estudado do roteiro, como DiCaprio na cena do jantar, exibe talento em não deixar a extensa sequência ficar desgastante ou monótona. Apenas diante do próprio Tarantino em atuação, Django apresenta toda sua versatilidade em atuação.

A trilha sonora é igualmente inspirada, senão mais, do que em filmes como “Kill Bill” e “Pulp Fiction”. Trata-se de um espetáculo musical, que por vezes proporciona a devida intensidade aos acontecimentos que transcorrem sobre a película. Com canções retiradas de sua coleção própria de discos de vinil dos anos 70 – com ou sem falhas decorrentes do desgaste – demonstra o quanto fascinante pode ser o processo de criação de Tarantino. 

Ao contrário de seus trabalhos anteriores, Tarantino tarda um pouco pelo caminho do desfecho – a conclusão da vingança. Perde-se algumas passagens que seriam próprias para isso, deixando duração mais extensa do necessário. No final, peca pela ausência de um término climático a altura do desenvolvimento. Certamente que tiroteio no salão criou uma falsa sensação que precedia o THE END. Mas o cineasta não podia perder a oportunidade de mostrar o quanto divertido – através de sua participação especial – que foi a construção desse faroeste carregado de reflexão sobre um tema a ser discutido com relevância, bom humor e originalidade. Ao ver “Django Livre”, muitos espectadores irão torcer o nariz para seu espetáculo de brutalidade, transvestido de uma transposição histórica fiel. Muitos cineastas se armam de roteiros ambientados em épocas conturbadas para justificar ações mais radicais visualmente. Talvez seja o caso de Tarantino. Contudo, inegavelmente houve melhoras em seu trabalho desde que optou em se comprometer com um cinema de contexto mais amplo, mesmo sendo nas trivialidades do fenômeno “Pulp Fiction” que resida a maior gama de fãs ao seu sensacional trabalho.

Nota: 8,5/10

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Crítica: Vamos Nessa! | Um Filme de Doug Liman (1999)



Com uma narrativa basicamente fragmentada, o diretor do excelente “Swingers” consegue um resultado bem bacana mostrando a força do cinema independente no fim da década de 90 através de “Vamos Nessa!” (Go, 1999), que retrata uma noitada insana de jovens em meio a circunstâncias desesperadas. O filme remete a lembrança do fenômeno do cinema underground chamado “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino, ou do filme “Short Cuts”, de Robert Altman, porém menos sanguinolento do que o trabalho de Tarantino, e mais simplista que do que a fita de Altman, mas inegavelmente divertido em todos os sentidos.

A trama narra um dia e uma noite de um grupo de personagens as vésperas do Natal, visto sob três diferentes perspectivas: a de Ronna (Sarah Poley), uma caixa de supermercado falida e desesperada por dinheiro, e Claire (Katie Holmes) disposta a qualquer negócio para sair da rotina; a de Simon (Desmond Askew), um inglês distante de casa, desesperado por diversão que segue rumo a Las Vegas com seus amigos de Los Angeles e somente encontram confusão; e Adam e Zack (Scott Wolf e Jay Mohr) uma dupla de atores de TV, que em busca de diversão, se metem numa ação policial confusa e recebem de um policial estranho uma proposta mais estranha ainda. 

"Vamos Nessa!" é um exemplar de fita que mesmo não apresentando nada de extraordinário, diverte, tanto pelos personagens malucos quanto pela história em si, isso por conta dos diálogos ágeis das situações absurdas as quais esses personagens se envolvem. Drogas alucinógenas, sexo casual, música eletrônica são elementos imprescindíveis dentro da trama, e não são meros artigos de decoração, e sim fazem parte das adversidades comuns as quais os jovens se esbarram numa noitada feito a desses personagens, se fazendo mais do que necessária como uma justa ambientação. A forma com que foi montada – de forma fragmentada – é somente um dos atrativos que essa produção nos presenteia. A trilha sonora é igualmente brilhante e antenada com a proposta dessa produção. 

A forma como o roteiro de John August se desenvolve e brinca com os personagens – como no caso de Scott Wolf, deixando claro que sua interpretação está ligada ao personagem da extinta série “O Quinteto”, é uma das passagens inspiradas de seu roteiro; ou quando os atores, numa conversa casual, se queixam da tietagem resultante de seu trabalho na TV. Claire, uma das personagens mais legais dessa produção, dá um show que a torna relevante não tanto na trama, mas no balanço das interpretações divertidas de “Vamos Nessa!”.

Por fim, “Vamos Nessa!” é como uma tradicional balada. Trata-se de uma rotina que algumas vezes muda, aqui ou ali. Em geral é sempre a mesma coisa, e mesmo que funcione para passar o tempo de maneira divertida, não vai mudar sua vida. 

Nota: 7/10

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Crítica: A Árvore da Vida | Um Filme de Terrence Malick (2011)


Ao invés de escrever sobre algum grande vencedor do Oscar 2012 (Academy Awards 2012), decidi reescrever esse post esquecido nos primórdios desse blog, dedicado a um dos indicados dessa anual corrida premiada. Esquecido pelo júri naquela premiação, mas que tem um lugar prestigiado no coração de muitos espectadores. Os grandes prêmios da cerimônia de 2012 foram previsivelmente divididos entre os filmes "O Artista" e "A Invenção de Hugo Cabret", aos quais não tive oportunidade de vê-los na telona na época, mas que como no caso do segundo, o conferi posteriormente na telinha. Ambos detinham características nostálgicas de um cinema francês que nunca teve muito a ver comigo, ao qual vi poucas obras as quais serviram de referência e inspiração para seus realizadores.  Cinema mudo, por exemplo, nunca me cativou, e seria uma hipocrisia dizer o contrário. Gosto sim do diálogo, das frases de efeito marcante, das reviravoltas que uma boa discussão fervorosa pode causar na película. Gosto de relembrar no dia posterior a uma exibição o que fulano disse para ciclano. Necessito disso tanto quanto gosto. Por isso acho que Martin Scorsese, com o filme “A Invenção de Hugo Cabret” já havia ganhado meu humilde voto antes mesmo de vê-lo. Mas talvez ainda me surpreenda com o premiado filme "O Artista" (2011), de Michel Hazanavicius, ao qual ainda não tive a oportunidade de assistir, ou evito por puro preconceito.

Nessa peneira da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas - que não passa muita variedade - facilita as apostas e muitas vezes as deixam um pouco óbvias demais para os cinéfilos, onde é raro, muito raro algum filme me espantar. Tem muita coisa boa rodando nas salas de cinema e que não obtém um justo reconhecimento pelos criteriosos membros da Academia. E uma indicação sempre pode alavancar um projeto promissor que passou despercebido pelo grande público. Por essa razão, voltei minha atenção mais a um dos competidores do que aos premiadíssimos vencedores que dispensam mais aplausos pós-cerimônia. E minha postagem dedicatória não fica propriamente restrita ao filme em questão, mas sim ao seu realizador, que faz parte de um seleto grupo de diretores excêntricos como David Linch (Cidade dos Sonhos, 2001), Spike Jonze (Eu Quero Ser John Malkovich, 1999) e Lars Von Trier (Festa de Família, 1998), que demonstram muitas vezes dirigirem filmes para si próprios, de tão controversos que são seus resultados. Mais do que entender o filme propriamente, deve-se ter uma ligeira compreensão sobre a personalidade de seus realizadores. Terrence Malick não é diferente. 

O filme "A Árvore da Vida" (The Tree of Life, 2011), estrelado por Brad Pitt, Sean Pean e Jessica Chastain, é um trabalho do diretor/roteirista Terrence Malick, que documenta a relação entre pai e filho em uma simples família americana, ao mesmo tempo em que paralelamente exibi um ensaio sobre a vida com uma abordagem visual sofisticada da criação do mundo até o fim dos tempos, de forma religiosa e cientifica, sempre enfatizando a profundidade do tema familiar com uma edição de imagens correlacionadas com a origem da vida. Isso em síntese. "A Árvore da Vida" tem a pretensão de se apresentar segura de si, como uma obra cinematográfica ou como material que gere reflexão. Textualiza a explosão do Big Bang, a transição do tempo e a evolução do mundo a qual conhecemos.

Do surgimento do mundo a história nos leva ao amago da família O´Brien. Tudo apresentado através de lembranças de Jack (Sean Pean): os esforços do Sr. O´Brien (Brad Pitt) na construção do sonho americano, de sua esposa (Jessica Chaistain) preservando os valores da família, a pregação da espiritualidade dominical, a importância de um trabalho honesto, a relação familiar entre pai e filhos. Malick transporta o espectador para a década de 50 com seu filme, através de uma perfeita e harmoniosa reconstrução da ambientação na qual a trama se passa, enriquecida pelas nuances dos equívocos que acompanha evidentemente, esse tal “sonho americano”. E nesse enredo denso sobre a queda do delicado véu que cobre essa sociedade puritana, estão preciosos atores que dão a devida densidade para os personagens elaborados por Malick, e que retratam com perfeição a sua construção do mundo. Brad Pitt é a encarnação de um severo pai de família, perfeitamente caracterizado dramaticamente, e sobrecarregado de expectativas. Tudo desencadeia ações e reações, por vezes desagradáveis para o contexto familiar. Enquanto Sean Penn procura a redenção. O sofrimento expresso no passado, recapitulado evento após evento, talvez seja uma forma de encontrar a solução que o tempo não trás por conta própria. Ambos trazem a tona toda dramaticidade que uma narrativa contemplativa da direção necessita para intensificar onde imagens repletas de simbologias falam tanto quanto imensos discursos shakespearianos. 

O filme foi também indicado ao Oscar de melhor filme, diretor e fotografia, mas não se consagrou em nenhuma categoria. Particularmente por razões óbvias. O filme é interessante de uma forma singular, bem característica da autoria de Malick, porém desnecessariamente longo e excessivamente divagante. E bota divagação nisso. Sequências intermináveis de imagens e mais imagens. Por mais que bem feito e criativamente editado, torna-se cansativo para a maioria dos espectadores, justamente por sua maior qualidade: o tempo. Malick não tem pressa em apresentar seu roteiro, como o mundo não teve em gerar a vida. É preciso compreender que espiritualidade e ciência se sobrepõem para compor seu desacelerado enredo. Foram acontecimentos atrás de acontecimentos, que geraram fenômenos que ultrapassavam milhares de anos, até a próxima etapa. Malick seguiu a cartilha de maneira religiosa. E sua infinita inserção acontecimentos pode muito bem passar despercebida por uma gama de espectadores. 

O visual está perfeitamente montado com imagens deslumbrantes, que vão do excepcional contraste de névoas e luzes do espaço, ao subúrbio estadunidense dos anos 50, cheio de cores enriquecidas pela direção de fotografia Emmanuel Lubezki. A beleza nostálgica do passado perfeitamente reproduzida, em cores, enquanto afronta em contraste com o contemporâneo, retratado em cores entristecidas e acinzentadas. A visão do autor para o futuro, sutilmente expressa nas cores. 


O filme “Além da Linha Vermelha” (The Thin Red Line, 1998), outro trabalho de Malick, talvez tenha sido um de seus trabalhos mais comerciais já realizados pelo cineasta. Algo no mínimo curioso, em vista que se trata de um drama de guerra ambientado em plena Segunda Guerra Mundial. Esse concebido depois de anos afastado das câmeras, retornou com projeto monumental e complexo, de difícil execução devido ao extenso roteiro, que não agradou muito por seu ritmo mais contido e lento para o gênero. O filme também havia sido indicado ao Oscar de melhor filme, com poucas chances sobre o vencedor da categoria. Porém havia sido realizado de uma maneira mais linear e sóbria do que “A Árvore da Vida”, o aumentava suas chances diante da concorrência. Tinha todos os devaneios existências característicos do autor, ritmo lento e contemplativo, que misturava fé e existencialismo, com um elenco estelar e uma proposta interessante de reflexão espirituosa sobre os dramas dos combatentes nos campos de batalha. É um dos meus filmes preferidos no gênero no qual se encaixa, isso muito pela escolha da belíssima trilha sonora.

Apesar de Terrence Malick ter amargurado uma derrota pela conquista do Oscar 2012 com seu “A Árvore da Vida”, ele tinha uma virtude em comum com o vencedor: ele tem uma visão nada convencional do cinema a qual estamos acostumados a ver diariamente e não teme o risco que essa afronta pode causar. Um dos méritos da fita de Michel Hazanavicius é justamente esse ponto: não se importar com os riscos que acompanham seu projeto. Mas minha salva de palmas fica reservada mesmo ao cineasta Terrence Malick, que tem evoluído por sua persistência por realizar projetos inclinados em gerar reflexão através de beleza e autenticidade como o vencedor desta premiação. 

Nota: 8/10

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Resenha: Paprika | Uma Animação de Satoshi Kon (2006)


Baseado no romance de ficção científica de Yasutaka Tsutsui, de 1993, essa animação chamada “Paprika” (Papurika, 2006) é produzida pelos estúdios Madhouse. Sua trama é focada em uma revolucionária tecnologia que possibilita a visualização dos sonhos e a exploração exclusiva do subconsciente das pessoas. Quando vi a sinopse dessa animação pela primeira vez fui tomado pela lembrança imediata do filme dirigido por Christopher Nolan, chamado A Origem”. Como em “Paprika, o filme de Nolan também tem em sua inverossímil trama esse elemento como sua característica mais marcante. Porém, “Paprika” apresenta uma visão muito mais arrojada dessa mesma premissa, tanto visualmente quanto no enredo amplamente criativo e fantástico que fecha redondamente sem furos. 

Dirigida por Satoshi Kon, o diretor consegue incrivelmente explorar ao extremo as possibilidades desse enredo fantástico tanto visualmente quanto de forma narrativa. Apesar de se tratar de uma animação, essa produção não poupa o espectador de certas imagens e situações extremadas: nudez, estupro, suicídios, e outras situações visuais perturbadoras. Para um espectador mais sensível em lidar com o extremismo do formato animado, não é recomendável, mas ainda assim, não tira o charme dessa animação nada infantil que foi muito bem conduzida, e que não apresenta desperdício de tempo. As camadas da trama são bem aproveitadas, apresentado constantes idas e vindas, no labirinto dos sonhos, que por vezes tornam-se pesadelos aterrorizantes devido à manipulação. A dureza do conteúdo e sobreposta pela beleza dos detalhes visuais dessa animação, cheia de simbolismos carregados de referência e uma profundidade psicológica madura, onde ao final, é concluída com um desfecho que demonstra a afinação do roteiro de Satoshi Kon e Seishi Minakami. 

E se o visual enche os olhos do espectador, com delírios imaginativos, a trilha sonora de Susumu Hirasawa, vem a acentuar todo esse capricho. Os japoneses são feras em mesclar ideias diferenciadas em um único produto, sem aparentar descompasso no resultado. Paprika é um teste de difícil alcance de sucesso que surpreende pelo nivelamento da qualidade que se estende pelos quase 90 minutos de duração. É a união perspicaz de roteiro, visual e sonoridade numa produção focada num público extremamente exigente. Ao contrario de animações ocidentais, cheias de convencionalismos, com piadas e canções carregadas de lirismo, os animes tem procurado constantes inovações para se reinventar e continuar a cativar novos seguidores.

Por fim, essa animação chamada “Paprika” é de uma originalidade única, onde se mostra criativamente instigante e violenta. Detentora de vários prêmios em renomados festivais pelo mundo, essa produção tem como chamariz possuir o aval de qualidade expedido diretamente pela crítica, além do culto por parte de fãs do gênero. Trata-se de uma animação fantástica que é imprescindível de ser descoberta.  

Nota: 7,5/10 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Crítica: Clã das Adagas Voadoras | Um Filme de Zhang Yimou (2004)



Poucos são os filmes que despertam em mim o desejo de publicar um post todo composto por imagens da fita em questão. O “Clã das Adagas Voadoras” (House of Flying Daggers, 2004) é quase um exemplo materializado desse desejo. Dirigido por Zhang Yimou (Nenhum a Menos), esse longa repleto de belas imagens é um espetáculo visual raro da sétima arte oriundo do Oriente. Repleto de majestosas paisagens e uma direção de arte competente, amparada por uma direção de fotográfica esplêndida, esse filme trás todo o lirismo do cinema chinês e a atmosfera mágica dos grandes filmes de artes marciais para a película de forma magistral. Mesmo que narrativamente seja menos promissor que “Herói” - outro trabalho esteticamente similar de Yimou – o “Clã das Adagas Voadoras”, tem em seu visual apurado carregado de cor e magia, e nas coreografias marciais fantásticas por sua vez, seu maior trunfo. A história dessa fita se passa no século IX, quando a dinastia Tang na China tem se encontrado enfraquecida e corruptível, tendo ainda um exército rebelde chamado “Clã das Adagas Voadoras” em constantes confrontos contra as forças militares do império que assolam a nação com constantes roubos contra a burguesia. Numa estratégia de impedi-los, devido ao agravamento da situação, Leo (Andy Lau) e Jin (Takeshi Kaneshiro) dois capitães do exército imperial planejam encontrar o perigoso Clã através do uso de uma dançarina cega chamada Mei (Zhang Ziyi), que possivelmente tem ligação com os líderes desse movimento criminoso. Porém ambos nutrem um amor pela mesma, desencadeando desse triangulo amoroso um conflito que resulta em um duelo fatal.

Apesar do contexto político expresso na trama, o romance dos protagonistas é o elemento que movimenta toda a rede de intrigas dessa história. Amores proibidos, e não correspondidos, são as ferramentas que o roteiro se utiliza para intercalar as sequências de ação. Mais do que um filme de artes marciais, essa fita é um romance bem ambientado e com uma atmosfera incrível. Os interesses dos protagonistas se transformam no decorrer dos fatos e as motivações se alteram deixando as prioridades da nação a margem das paixões nas quais os protagonistas estão envoltos. Tudo bem condimentado pelo estilo lírico do cinema chinês que exaltar em sobreposição honra e amor numa trama abarrotada de tragédia. A insignificância da individualidade diante de um bem maior. E mesmo com direito a instigantes reviravoltas - um pouco para fugir da mesmice – é inegável que seja nas cenas de luta que reside as maiores qualidades do gênero. No caso desse longa, não precisamente nas coreografias da luta em si, mas na beleza do visual que cerca toda a ação. Cores enaltecidas e enquadramentos precisos em planos longos que transformam a mais corriqueira paisagem em uma pintura impressionista. Como no desfecho, onde a atmosfera se transforma ao redor ganhando contornos e cores diferentes – começa com sol e termina com uma doce nevasca numa transição pouco natural, mas esteticamente interessante. Os confrontos ocorridos numa cena clássica do gênero – nos bambuzais – têm as melhores qualidades da direção de fotografia. O verde do bambu nunca foi tão verdejante quanto possível como nessa sequência.

Naturalmente que o “Clã das Adagas Voadoras” está distante de um confronto a altura com o “O Tigre e o Dragão”, filme dirigido por Ang Lee e responsável pelo resgate do gênero as salas internacionais de cinema. Acompanha a pouca distância “Herói”, seu irmão mais expressivo dentro do cinemão, muito por ter tido como protagonista o astro Jet Li, sempre carismático aos olhos do Ocidente. Porém, mesmo com suas deficiências, não diria técnicas, ainda o julgo ser um belo exemplar do gênero do kung fu productions, mesmo que seja meramente decorativo. 

Nota: 7/10

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Crítica: Soldado Anônimo | Um Filme de Sam Mendes (2005)



Mais do que de filmes de guerra propriamente, sempre fui fã de dramas de guerra. Se há algo que me chama mais a atenção do que um show pirotécnico que ilumina e estremece a película são os dramas pessoais aos quais os envolvidos são diretamente bombardeados nesses conflitos militarizados. O conflito que se passa no interior de cada sodado em relação a sua condição. E é justamente sobre isso que o diretor Sam Mendes procura explorar com ênfase através de "Soldado Anônimo" (Jarhead, 2005). Um filme que mostra de uma forma bastante particular o lado humano desses homens e mulheres afetados pela guerra sem apelar para clichês e espetáculos visuais sobrepostos. 


Inspirado no livro autobiográfico de Antony Swofford (interpretado pelo ator Jake Gyllenhaal), a trama enfoca o tédio que ronda um esquadrão a espera de um confronto com as tropas iraquianas na Guerra do Golfo em 1991. Acompanha os soldados americanos, em especial Swofford, pelo treinamento desgastante e necessário para a batalha, passando pela espera angustiante pelo confronto com o inimigo que culmina numa decepção arrebatadora, ao perceber, que ao contrário do que ele esperava, não fez a diferença. Foi uma guerra, que quando começou, durou apenas poucos dias, e o mérito pelas manobras militares que levaram os Estados Unidos da América a vitória, com a derrubada do governo de Saddam Hussein foram atribuídas à campanha Tempestade do Deserto – o que gerou o termo “Guerra Videogame” – onde a tecnologia de caças e mísseis tele guiados fizeram todo o estrago enquanto a infantaria assistia tudo de camarote. Nem todos os soldados reagiram de acordo com resultados dessa guerra, por assim dizer vitoriosos.

A direção de Mendes entrega um filme incomum, em sua maior duração contemplativo. Com um inicio que remete claramente como uma homenagem ao clássico “Nascido para Matar” (1987), dirigido por Stanley Kubrick, onde os percalços do protagonista nos cercados do quartel servem como introdução para nos familiarizar com os personagens, que dentre eles, se destaca Jamie Fox, como o oficial responsável pela tropa, vemos a rotina militar através da perspectiva de Swofford até a chegada à zona de combate. Enquanto Jake Gyllenhaal mostra todo seu cinismo e sua visão intelectual sobre guerra, Jamie Fox é a imagem da devoção por um ideal seguido por uma doutrina rigorosa regida pelas forças armadas. Tanto um quanto o outro estão soberbos em suas interpretações, apoiadas pela atmosfera delicada da narrativa de Mendes, ocasionalmente pausada com passagens bem humoradas.

Se o espectador espera ver banhos de sangue e violência desenfreada ao som de metralhadoras sem direção, esqueça. A proposta desse longa está além disso. Está no impacto dos acontecimentos para os soldados, não no futuro, mas no presente momento. Traumas de guerra já foram excessivamente abordados em outros filmes. Com Mendes os sintomas são imediatos. As dificuldades de manter a sanidade depois de semanas torrando em solo árabe a espera de alguma ação, que quando confrontada, como numa sequência em especial, é impossibilitado por ordens superiores é o retrato da frustração que assola alguém por não alcançar seus objetivos. Perceber que todo sacrifício feito virou uma formalidade meramente desnecessária. 


De fato, “Soldado Anônimo” é um filme de difícil digestão para apetites mais vorazes por ação. Mas bem aproveitado por Mendes como um estudo interessante do comportamento humano ao ser exposto a situações de pressão e esgotamento por circunstâncias extremadas. Ao vermos os mortos, pela perspectiva do protagonista, sem tiroteios e granadas explodindo de relance, nos resta imaginar pelas experiências cinematográficas passadas, o levou a isso, enquanto Mendes nos apresenta com competência um raro e esplêndido drama de guerra.

Nota: 7/10