quarta-feira, 25 de julho de 2012

Crítica: Constantine | Um Filme de Francis Lawrence (2005)


O personagem John Constantine, criação do genial Alan Moore, teve sua primeira aparição como personagem secundário na série dos anos 80 chamada “Monstro do Pântano”, inserido de forma experimental com o propósito da criação de mudanças expressivas no formato de gibis mainstream para o público adulto. Com um inusitado sucesso de seus contos, John Constantine ganhou um título próprio chamado HellBlazer  publicado pelo selo da Vertigo – selo adulto da DC Comics – e a devida atenção de roteiristas como James Delano e Garth Ennis, que delinearam sua personalidade. Assim Constantine passava a ter passado, motivações e uma inserção mais profunda em um universo repleto de conceituações bíblicas, que oscilavam entre céu e inferno, anjos e demônios e por fim, sobre Deus e o Diabo. Personagem inglês e sarcástico, de cabelos loiros e sobretudo surrado, cujo hábito de fumar constantemente tornou-se sua marca registrada, sua transposição para película não lembra em nada suas origens. Mas apesar das distorções adotadas para o filme, Francis Lawrence nos apresenta um personagem fascinante bem familiarizado com o mundo sobrenatural. 

O filme "Constantine" (Constantine, 2005), onde John Constantine (Keanu Reeves), atormentado por um dom de enxergar as criaturas do céu e do inferno que caminham sobre a Terra – que influenciam a humanidade indiretamente – descobre estar com câncer causado pelo seu vício, no momento que pressente o inicio de uma conspiração liderada pelo filho do Diabo. Nesse plano arquitetado nas sombras, uma peça crucial nesse jogo é a policial Ângela (Rachel Weisz), que procura se aproximar de Constantine após o inexplicável suicídio de sua irmã. Entre o fatal diagnóstico e a confirmação de seus pressentimentos, Constantine corre contra o tempo para impedir que o inferno tome as rédeas do futuro da humanidade.

Keanu Reeves, deixando a pinta de galã de lado, interpreta uma espécie de anti-herói, que se dispõe a fazer o que é certo, desde que possa ajudá-lo a resolver seus próprios problemas. Após uma tentativa de suicídio cometida na adolescência, tem a certeza que o inferno o espera, e por isso faz de tudo para poder comprar sua absolvição. Antipático e nada sociável, seu círculo de amigos é minimalista, tendo uma espécie de fiel escudeiro no personagem Chas Chandler (Shia LaBeouf), um informante e hábil armamentista em Beeman (Max Baker) e uma amizade nostálgica no guru Papa Meia-Noite (Djimon Hounsou), detentor imparcial dos segredos que rondam entre o Céu, a Terra e o Inferno. Apesar de estar correlacionado com o majestoso Arcanjo Gabriel (Tilda Swinton) e bem familiarizado com o anseio delirante de Lúcifer (Peter Stormare) por sua morte, Constantine não se vê intimidado mesmo diante do Diabo.

Todo o elenco está perfeito, como também o roteiro inquietante de Kevin Brodbin que proporciona passagens inspiradoras, como quando Constantine tenta negociar o adiamento do inevitável com Gabriel tocando em pontos delicados a respeito de fé e redenção. Uma ambientação visualmente rica, deixando de lado as paisagens lógicas de Los Angeles e criando uma atmosfera única em uma cidade já milhares de vezes retratada. A chuva é incessante no plano terreno e a transposição da cidade para o plano infernal, é de uma originalidade inédita, com as casas e edifícios sendo varridos numa atmosfera caótica, tendo sob as ruas as almas dos condenados em pleno sofrimento por toda a eternidade.

Francis Lawrence, um experiente criador de clipes, estreia bem comandando esse longa, e demonstra claramente sua capacidade de dominar o formato cinematográfico com a mesma destreza que fez fama na confecção de vídeos musicais de bandas de destaque como Black Eye Peas. O filme "Constantine" é um exemplo de uma adaptação elegante, que mesmo descartando o material mais consistente de suas origens, se fez relevante dentro da filmografia de seus envolvidos. Apesar das comparações com o mundo virtual de Matrix, o universo sobrenatural de Constantine – onde ambos os protagonistas veem coisas além do que nós podemos enxergar – todo o resto se diferencia, sendo a única similaridade dos projetos.

Nota: 8,5/10

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Crítica: Crítica: X-Men Origins – Wolverine | Um Filme de Gavin Hood (2008)


Depois do sucesso inegável da série X-Men nos cinemas, a coisa mais óbvia para os estúdios era pegar o personagem mais popular da franquia e fazer um filme solo dele. Não vamos culpar a Marvel de tentar ganhar mais com o mesmo. Antes de qualquer coisa, tudo que gira em volta das transposições cinematográficas de conhecidos personagens de HQs é feito com a intenção de gerar lucro. Apenas isso. Não podemos como fãs esperar outra coisa dos responsáveis, como melhorias em algo que funcionava muito bem sem a ajuda de Hollywood. O problema é que depois dos dois primeiros filmes dirigidos por Brian Singer os fãs, e inclusive eu, criaram em seu imaginário as milhares de possibilidades para o personagem que infelizmente não se concretizaram em sua totalidade. 

O personagem também conhecido como Logan é canadense, de temperamento irritadiço, cuja capacidade de regenerar é instantânea e que retarda o processo de envelhecimento de seu corpo. Seu esqueleto é recoberto por adamantium, um metal de natureza fictícia, inventado por seus criadores, que o torna indestrutível, e mortal quando usa suas garras que saem instantaneamente de suas mãos de acordo com sua vontade. Apesar de não ter lembranças de seu passado anterior à inserção cirúrgica do adamantium, os mistérios de suas origens foram sendo reveladas em uma fabulosa minissérie em quadrinhos chamada Origin, que passou a esclarecer vários detalhes do passado do personagem.

O filme "X-Men Origins – Wolverine" (X-Men Origins – Wolverine, 2008) é focado justamente a partir da minissérie “Origin”, mostrando Logan (Hugh Jackman) ainda quando criança, ao lado de seu meio-irmão Victor Creed (Liev Schreiber) que posteriormente ficou conhecido como “Dentes de Sabre”. Atravessando décadas em guerras, matando e morrendo, ressuscitaram até caírem nas graças de William Striker (Danny Huston) que os recrutou para uma divisão especial composta por soldados incomuns – todos mutantes com poderes diferentes. Logan deserta devido aos assassinatos inadmissíveis cometidos pelo grupo e se afasta da violência até o momento que ele é novamente recrutado para impedir que Dentes de Sabre - segundo Striker, que se encontra enlouquecido e descontrolado – continue a matar antigos membros do grupo de soldados especiais. Striker insere em seu corpo o tal adamantium onde é revelado as verdadeiras intenções dele na experiência, causando a fuga de Wolverine. 

Se houve alguma intenção de fazer um filme destacando prioritariamente o papel do personagem título, essa ideia foi por água abaixo, a partir do momento em que começa a desfilar uma infinidade de outros personagens da Marvel (Wraith, Blob, Gambit, White Queen, Silverfox, Ciclops entre outros) estragando uma boa premissa e a esperança dos fãs – de Wolverine – de ter um filme a altura do ícone. O personagem Wolverine tem material bom e de sobra para segurar uma trama cinematográfica sozinho. Assim se repete um equivoco cometido em “X-Men – O Confronto Final”, tonteando o espectador com uma variedade exaustiva de personagens, meramente com a intenção de agradar todos os seguidores do formato em quadrinhos.

Apesar de nutrir certo carisma pelo personagem “Gambit”, sua presença foi um pouco desnecessária dentro da trama ou apenas mal transposta. Não é crime que nos percalços de sua trajetória, Wolverine cruze com futuros colegas do X-Men, porém deveria se ter mais cuidado com a elaboração dessa coincidência. Por isso um dos maiores defeitos da produção ficam por conta do roteiro – mal elaborado – e pelos efeitos especiais, que transparecem estar inacabados e feitos as pressas. Isso quando se demonstram desnecessários por conta da falta de coerência da trama. Mesmo com uma direção preocupada com o visual do filme (mais do que com a trama) o diretor sul africano Gavin Hood não empolga nas cenas de ação que se espalham pelo longa, exceto pela brilhante introdução. A maior decepção fica por conta do clímax, com ares de improviso, que é importantíssimo para se definir as possibilidades de uma continuação. 

Nota: 7/10

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Crítica: Ensaio sobre a Cegueira | Um Filme de Fernando Meirelles (2008)


Sem explicações ou motivos aparentes, uma epidemia de cegueira de origem desconhecida abate a sociedade. Sem cura ou um tratamento conhecido que surta efeito, a doença começa a ultrapassar fronteiras e obrigar as lideranças a tomar medidas extremas para conter a epidemia e colapso da cidade. A cegueira branca, assim chamada pelas pessoas pelo fato dos infectados passarem a ver apenas uma superfície embranquecida com os olhos, a doença ganha proporções significativas e uma medida de isolamento dos doentes é tomada para conter a avassaladora epidemia. Porém a funcionalidade das instituições de controle epidêmico começa a falhar e as pessoas mantidas na quarentena são abandonadas a própria sorte, fazendo com que as regras que regem uma sociedade civilizada sejam deixadas para trás. “Ensaio sobre a Cegueira” (Blindness, 2008) é uma produção dramática colaborativa entre Brasil, Japão e Canadá escrita por Don McKellar, baseado no premiado romance de mesmo nome de José Saramago. Dirigida por Fernando Meirelles (responsável por “Cidade de Deus”, de 2002 e “Jardineiro Fiel”, de 2005), o filme é estrelado por Julianne Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover, Gael Garcia Bernal e Alice Braga. Essa produção é uma adaptação honrada de sua fonte literária e mais um formidável trabalho do cineasta.


Ensaio sobre a Cegueira” tem tanto em seu enredo quanto na realização de Fernando Meirelles uma força avassaladora. Acompanhar os eventos sombrios retratados por esse longa-metragem é uma experiência tão fascinante quanto perturbadora. A forma como as circunstâncias extremas as quais os personagens são submetidos, primeiro devido à epidêmica cegueira que não se obtém cura e depois ao cárcere e isolamento imposto aos doentes, permitindo que em longo prazo suas verdadeiras faces sejam reveladas aos olhos do público, é uma experiência áspera, e muitas vezes desconfortável ao espectador. Fernando Meirelles constrói a atmosfera exata que o trabalho de José Saramago propicia em sua história de um prelúdio de uma anarquia. O filme, auxiliado por elenco que entrega desempenhos fantásticos, torna-se difícil apontar uma atuação de destaque. Se o trabalho de atores e atrizes como Julianne Moore e Alice Braga se destacam pelos contornos de sensibilidade que propagam emoção no espectador, desempenhos como o de Maury Chaykin e Gael Garcia Bernal são tão revoltantes quanto fantásticos. Cada personagem tem uma entrega formidável ao personagem que interpreta, e consegue enriquecer uma tocante história que é uma abertura de olhos para uma verdade que ninguém gostaria de ver.

Ensaio sobre a Cegueira” é uma chocante e realista retratação do que poderia acontecer caso os eventos fictícios dessa pandemia um dia viessem a acontecer de verdade. Reações de solidariedade e comunhão teriam como obstáculos atitudes e ações nada inspiradoras pelo caminho. Fernando Meirelles entrega um drama de cenário humano esmagador, profundo e igualmente sensível do que poderia ser o mais próximo do fim do mundo.

Nota:  8/10

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Crítica: Eu, Robô | Um Filme de Alex Proyas (2004)


Apesar desse longa se apropriar do título da obra referencial de Isaac Asimov, o filme "Eu, Robô" (I, Robot, 2004), do cineasta Alex Proyas pouco tem em comum com seu texto composto por nove contos onde o autor expõe uma visão otimista da evolução de organismos cibernéticos. Assim esses contos de Asimov foram transpostos convenientemente pela indústria de Hollywood em uma trama policial de ficção cientifica recauchutada carregada de ação e muitos efeitos especiais. No entanto mistura tais elementos muito bem, dosando a ação desejada em um roteiro proporcionalmente cerebral que lhe confere certo charme.

Assim exibindo uma trama policial que se passa em 2035, a história envolve a morte de um cientista (Adrian Ricard) responsável criador do universo robótico exibido no filme. Assim o detetive Del Spooner (Will Smith), antigo conhecido da vítima e profundamente aversivo a tecnologia, passa a investigar o misterioso caso de suicídio. Com sua experiência como detetive, Spooner logo percebe haver algo errado e improvável na morte do cientista ao ligar fatos com probabilidades. Sua descoberta o leva a caçar um robô descontrolado que se auto intitula Sonny – cuja voz adotada é de Dustin Hoffman. Spooner odeia os robôs e prova para todos que eles podem cometer crimes, contrariando as três leis as quais regem o comportamento dessas máquinas. Essas leis: 1 – Um robô não pode ferir um ser humano, ou admitir por omissão que ele sofra algum mal; 2 – Onde um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando tais ordens contrariem a Primeira Lei; 3 – Um robô deve preservar sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Lei. Porém aos poucos Spooner começa a perceber – com a ajuda da psicóloga interpretada por Bridget Moynahan – que a morte do cientista envolve muito mais do que um simples caso de assassinato cometido por um robô, o fazendo perceber que por trás da transparência dos fatos existe uma espécie de conspiração que ameaça a raça humana.


O protagonista dessa trama, já de início deixa claro seu ódio pelas máquinas, resultado da dor da perda de um ente querido em um acidente de carro, onde um dos robôs prestou o serviço de salvar sua vida ao invés de seu filho. O critério usado por aquele robô foi baseado em dados e expectativas de chances de vida dos socorridos, sem menor sensibilidade. Por isso o Smith faz de tudo contra essa tendência automatizada desprovida de humanidade que invade a sociedade. A presença desses organismos cibernéticos são tão comuns quantos celulares. Will Smith alterna bem seu papel sensível e preocupado com o futuro da raça humana, com o papel astro de ação ao melhor estilo Duro de Matar. Ainda mais intercalando com sua capacidade de fazer humor descompromissado que alivia a tensão da temática de alerta social. Melhor em cena do que ele mesmo, somente o robô Sonny que possivelmente é melhor revelação desse filme.

Por mais que o roteiro de Jeff Vintar e Akiva Goldsman use pouco da obra de Asimov, vários elementos originais são aproveitados com habilidade. A permanência da organização da U.S. Robotics é um exemplo disso. E como sempre os fãs de uma obra significativa desferem protestos diante de uma adaptação, toda cautela foi tomada em relação ao argumento do filme. A direção de Alex Proyas caracterizou a transposição com um visual moderno que lembra outros sucessos do gênero, porém com mais merchandising do que o espectador está habituado.


Com recursos de ponta disponíveis, Alex Proyas criou um mundo que mescla uma visão futurista fascinante com uma arquitetura real, resultante de uma produção de arte bem sintonizada com a proposta visual almejada – desfilando protótipos da Audi futuristas e facilidades modernistas ainda distantes de nossa realidade. A produção mediu tudo evitando exageros visuais desnecessários. Um destemido confronto entre homem e máquina é o combustível que movimenta a trama, sempre bem conduzida, deixando claro porque veio. Por mais que flerte com suas referencias da literatura, dando espaço para reflexões como: até que ponto sua evolução deve interferir em nossa evolução? Será que a evolução deles deva atingir ao ponto em que eles possam ter sentimentos ou sentir dor? Traços de elementos filosóficos necessários dão a profundidade da ambição desse filme, que miscigena ação com intelecto sem ficar artificial.

Nota: 7,5/10